Economia Circular tem ganhado evidência nos ambientes acadêmico, industrial e político como um modelo que reduz a utilização de recursos, os desperdícios e as emissões (Geissdoerfer et al., 2020). Entende-se que ela pode gerar benefícios de cunho econômico, ambiental e social, portanto, pode promover o Desenvolvimento Sustentável (Kirchherr et al., 2017). Economia Circular é definida como um sistema econômico que objetiva reduzir a zero, desperdícios e poluição em todo ciclo de vida dos materiais, ou seja, desde a sua extração do meio ambiente, passando pela transformação industrial, chegando aos consumidores finais e, ao fim da sua vida útil, retornam a um sistema industrial (Nobre & Tavares, 2021). Entende-se, portanto, que as empresas desempenham um papel essencial nesse processo. Para tanto, elas necessitam projetar seus modelos de negócio, ou seja, sua rede de valor, seus relacionamentos com os parceiros da cadeia de suprimentos e as propostas de valor para os clientes, de acordo com as noções de redução do uso de recursos, redução de desperdícios e de emissões (Centobelli et al., 2020).
Os desafios relacionados a transição para uma Economia Circular são extensos, mas os benefícios são igualmente grandes. Entende-se que a Economia Circular pode auxiliar na consecução dos seguintes Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU (ONU, 2015): ODS 6 (Água Limpa e Saneamento), ODS 7 (Energia Limpa e Acessível), ODS 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico), ODS 12 (Consumo e Produção Responsáveis) e ODS 15 (Vida na Terra) (Schroeder et al., 2019).
Diante desses aspectos, entende-se que a transição para uma Economia Circular passa necessariamente pela modificação da forma como os resíduos sólidos são gerenciados. No Brasil, apenas 2,2% dos resíduos passíveis de reciclagem, 35% do total de resíduos, são destinados a esse processo (Ministério do Meio Ambiente, 2020). Apesar da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei nº 12.305 de 2010, sem citar a Economia Circular, trazer como objetivos a não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Ou seja, princípios que estão intimamente relacionados com a Economia Circular.
A gestão de Resíduos Sólidos Urbanos é uma questão desafiadora para os diversos atores sociais: empresas, governos e sociedade civil. No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei nº 12.305 de 2010, estabeleceu que até o ano de 2014 os lixões a céu aberto deveriam ser extintos. Estamos em 2021, e o país ainda enfrenta esse problema. O Novo marco Legal do Saneamento, Lei nº 14.026 de 2020. Estabeleceu novos prazos para extinção desses lixões. Entende-se, portanto, que é fundamental que empresas, governos e sociedade civil se engajem nesse processo. Nesse sentido, visto que a gestão de resíduos sólidos é uma parte essencial da Economia Circular, Ghisellini et al. (2016) colocam que a transição para esse modelo circular depende do envolvimento de todos os atores da sociedade e de sua capacidade de criar padrões de colaboração e intercâmbio apropriados.
A Plataforma 1 é formada por projetos que se alinham para enfrentar alguns dos principais desafios da inovação para a economia circular. O primeiro projeto dessa plataforma é o “Impacto Social e Inovação: o papel dos Catadores na Economia Circular”. O Objetivo geral desse projeto é desenvolver soluções e metodologias inovadoras para a inserção dos catadores na cadeia de logística reversa de embalagens.
A Lei Federal 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), estabelece o princípio da responsabilidade compartilhada e define as responsabilidades dos vários entes que participam da cadeia de suprimentos, com relação à destinação dos resíduos pós-consumo gerados (BRASIL, 2010) e, em especial, a relevância da inclusão dos catadores nestes nos sistemas de gestão dos resíduos. A transição de disposição para coleta seletiva, reciclagem e reuso em direção a uma economia mais circular mostra-se urgente (Rebehy et al., 2017, Guarnieri et al., 2020), mas não se trata apenas de indicadores de impacto ambiental, necessitando de um olhar mais abrangente, envolvendo outras dimensões além da ambiental, como a social, a econômica, a política e a cultural (Gutberlet et al., 2017). Observa-se por experiências recentes, que abordagens que levam em conta as diferentes perspectivas dos diversos atores envolvidos são as mais promissoras, se não, as mais efetivas (Rebehy et al., 2017; da Silva et al., 2019).
Estima-se que o Brasil tenha ao redor de 400.000 catadores, entre autônomos e organizados, e com pouco mais de 10% destes trabalhadores, organizados em 1829 cooperativas ou associações de catadores, distribuídas por 986 municípios (ANCAT, 2020).
Diante deste contexto, há uma tendência crescente de estudos sobre os catadores verificada desde 2011 (Figueiredo et al., 2020), pelo papel relevante exercido no sistema de gestão de resíduos sólidos urbanos (Gutberlet et al, 2021; Andrade et al., 2020; Rebehy, 2017; Colombijn, Morbidini, 2017; da Silva, 2019). A renda destes trabalhadores, muitas vezes em situação de vulnerabilidade social e informalidade, sofre oscilações advindas do preço pago pelos materiais, sem incluir os custos da coleta e separação, além de não haver o adequado reconhecimento do serviço prestado à sociedade, aos órgãos públicos e às geradoras (Fuss, 2021; Sabedot, Neto, 2017; Andrade et al., 2020).
Este trabalho adota a perspectiva dos catadores inseridos neste contexto, que exercem papel relevante no processo de coleta e triagem de materiais para reciclagem ou outro processo de tratamento, ou ainda o descarte em aterros (Gutberlet et al, 2021; Andrade et al., 2020; Rebehy, 2017; Colombijn, Morbidini, 2017; da Silva, 2019). O sistema de coleta seletiva governamental, ainda bastante precário no país (Fuss et al, 2021; Rebehy, 2017; Paschoalin et al., 2021), é parcialmente compensado pela ação desses trabalhadores, remunerados pela venda dos materiais separados (Gutberlet et al, 2021). Tradicionalmente, o preço de venda, em R$/kg, baseia-se no valor de mercado de cada material comercializado (CEMPRE, 2020). O serviço prestado não entra no cálculo, o que faz com que a renda destes trabalhadores, sofra oscilações (Fuss, 2021; Sabedot, Neto, 2017; Andrade et al., 2020).
Deste modo, sua posição dentro deste sistema é bastante controversa. Há estudos com confirmação de sua contribuição por indicadores como o aumento da taxa de reciclagem em 2,3 a 5,7 vezes, por exemplo (Sabedot, Neto, 2017; Gutberlet et al., 2017; Rebehy et al., 2017; Colombijn, Morbidini, 2017). Por outro lado, é uma função frequentemente excluída do mercado, socialmente pouco aceita, sem reconhecimento das práticas e conhecimentos necessários para sua execução, discriminada pelos gestores públicos (apesar da clara intenção de sua inclusão na PNRS), organizações privadas e população em geral (Sabedot, Neto, 2017; Gutberlet et al., 2017; Ibanez-Fores, et al., 2019; Fuss et al., 2021). Há diversos estudos que destacam o maior potencial em trazer benefícios, para além do ambiental, pelo impacto social gerado na redução de vulnerabilidades, construção de resiliência pela inclusão social, geração de trabalho e renda, indo inclusive além das considerações meramente econômicas em um modelo diferente de desenvolvimento (Conke, 2018; Figueiredo et al., 2020; Dantas et al., 2017; Andrade et al., 2020).
Referências
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Créditos:
Autora: Susana C. F. Pereira, Coordenadora da Plataforma 1 do CCD Circula e Diretora do Centro de Inovação da FGV (FGVin), texto adaptado da proposta do Projeto da Plataforma 1 submetido à FAPESP.